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O Pensamento Político de Alberto Torres

Um dos precursores do pensamento corporativista e do antiliberalismo no Brasil. É um dos destaques na obra 'Redescobrindo a Inteligência Nacional', próximo lançamento da Editora Pátria Nova.

Por Clóvis Ramalhete, jurista e catedrático


Situando a época na qual Alberto Torres repensou a realidade brasileira, sugiro definição global de sua obra: Alberto Torres terá sido no Brasil uma versão cabocla e intuitiva do movimento europeu por uma revisão crítica do Estado liberal. Era uma proposta generalizada, então. A instituição política, ao tempo do fato, mostrava-se sujeita à erosão, que já corroía o liberalismo econômico, ainda inspirador ao sistema legal daquela época.


A Europa pusera em questão o Estado liberal. Alberto Torres, sem eruditismo, deu-nos versão intuitiva deste movimento. E historicamente estava ele correto com a hora.


Em Alberto Torres vemos claramente posta em dúvida a validade social do subjetivismo da proposição abstrata dos liberais. Ele se ergueu então a uma posição profética de crítico deste subjetivismo; e de rejeição dele. E propôs para o Brasil a pesquisa da objetividade, negando vigência ao subjetivismo como legitimador das instituições políticas.


O liberalismo econômico mostrou ser uma fraude contra as classes populares, desde a Revolução Francesa. Na mesma tumba, a Revolução Francesa, na famosa noite de agosto de 1789, sepultou ao mesmo tempo, a aristocracia feudal e os fracos. Criou então o contratualismo, em substituição à lei. Proibiu sindicatos. Instituiu uma suposta "liberdade", onde devia estar o direito. Só se falava então na "liberdade". Ora, em matéria econômica, a liberdade gera a opressão dos economicamente fracos. Só a lei tutelar devolve liberdade ao oprimido. Esta crítica das "liberdades" do contratualismo, entretanto, não foi colocada logo com o surgimento do liberalismo econômico. Só mais tarde, na época em que Alberto Torres escrevia suas obras, estava posta a crise dos conceitos do liberalismo econômico.

Ansiedades e reivindicações das coletividades tinham causado esta crise. Pusera rachaduras no Estado, no Império alemão, na Monarquia italiana e no czarismo da Rússia imperial, muito antes de estalarem, como depois sucedeu.


Alberto Torres, neste País, pretendeu a substituição destas concepções políticas, subjetivas e liberais, por ele acusadas de modo expresso, de "idealistas" e de "abstratas". Torres propôs, em substituição, uma verificação da objetividade social e nacional. Construiu então talvez a versão brasileira, a versão cabocla, daquela mesma crise do Estado liberal, que então lavrava por todo o Ocidente. As elites letradas do Brasil não o saudaram logo. Explico o silêncio: distante, neste particular, de Euclides da Cunha. Alberto Torres escrevia claro, mas sem qualquer beleza. Não era um bom prosador. Não deslumbrou a sociedade de então com derrames de vocabulário.


Na Europa, a crise do Estado liberal levou-a à uma contrafacção de remédio: o erro do fascismo. Não devemos, porém, confundir o pensamento de Alberto Torres com sua acusação criticista nele alimentada com lampejos de intuitivo, com esta forma final da crise europeia do Estado liberal, o fascismo.


Em Alberto Torres impressiona a intuição da realidade que era subjacente às elites e nem entrevista pelos letrados, mas adivinhada por este homem que, no entanto, integrava as oligarquias políticas dominantes, às quais se aliou e serviu. Torres, de algum modo, repetiu Justiniano José da Rocha, um outro intuitivo panfletário no Império, com sua "Ação, reação, transação". Quase que o repetiu, quando denunciava a conciliação das elites brasileiras, com os arranjos políticos de cúpula, das elites brasileiras privilegiadas, das elites com joias, automóveis, casacos de pele e palácios, e viagens à Europa. Estas elites brasileiras tinham sua liderança da sociedade nacional justificada pelas fórmulas abstratas do Estado liberal. E eram inadvertidas da miséria do povo, da realidade dos "sem direitos", do que ia subjacente na Nação brasileira, que Alberto Torres apontava por intuição. Este panfletário pregava a intervenção do Estado, em reorganização de fundo.


O homem do povo, este mereceu de Alberto Torres a verificação de suas qualidades. Numa boa página, Alberto Torres - que em geral não escrevia bem -, fez o elogio do brasileiro como povo laborioso, de alto a baixo, do fazendeiro ao moleque. O homem brasileiro ocioso parecia uma calúnia e um mito, a Alberto Torres, um mito concebido pelas elites. As elites privilegiadas é que, para ele, tinham se tomado ociosas, como os fazendeiros absenteístas.


Vejo em Alberto Torres o pesquisador exigente de realidade e de objetividade para as instituições políticas e sociais, critério que ele propunha em substituição ao subjetivismo liberal. Com tal critério para o Brasil, ele deu uma versão brasileira desta fase da história das ideologias políticas do Ocidente, quando o Estado, que é uma instituição permanentemente mutável, então posto sob princípios de Estado liberal, entrou em crise. Esta crise estava claramente consciente para o geral dos estudiosos do Poder, na Europa, seja do poder econômico, seja do poder político. Quando aqui Torres escrevia, a crise do Estado liberal lavrava fora, em outras versões nacionais. O programa de certos partidos italianos, franceses, alemães, bem como as soluções escandinavas, ao Estado liberal, ou a solução italiana da época do corporativismo, as representações classistas, e no mais, tudo eram sugestões, que apareciam no quadro das ideologias da época. Mas todas resultado da crise do Estado liberal.


Alberto Torres, vejo-o como a versão cabocla dessa crise do Estado liberal no mundo ocidental, ou seja, da crítica ao Estado liberal. Ele não confiava mais em que a construção brasileira da Federação, tão ortodoxa na Constituição da época, permitisse levar soluções aos problemas nacionais. Denunciou mesmo uma falta de síntese nacional, na construção do Poder, neste País; pois que ele conviveu com o apogeu, véspera da desintegração, do federalismo, como então vigente em termos tão exasperados, na Primeira República, em reação ao centralismo da monarquia.


Os 109 constituintes republicanos, em movimento pendular, caminharam sem dúvida demasiadamente na direção do poder local. Apoiaram-se nas oligarquias rurais e municipais. Construíram sobre estas organizações paroquiais e de clãs os grupos políticos estaduais, em travejamento de fidelidades sobrepostas - tudo a partir da descentralização. Concepções abstratas legitimavam então o sistema. As elites conciliavam-se, satisfeitas, sobre uma nação em que entumeciam problemas não atendidos. Eis a denúncia central de Alberto Torres, panfletário sem o saber, mas um Torquemada das instituições liberais da Primeira República.


Esta foi a sua acusação ao irrealismo da nossa Fundação. Impedidas as possibilidades de um poder nacional planejador, Alberto Torres sentia no Brasil a falta da "síntese nacional" no poder. Era, neste particular, e aí apenas no caso brasileiro, um crítico da Federação ortodoxa. Ele não se colocou junto ao bacharelismo da época, com o movimento revisionista da Constituição. Foi mais além: Foi um intuitivo de ciência política, um intuitivo de sociologia, quando propunha e definia um movimento de pesquisa da realidade brasileira.


É verdade que nos seus escritos ele se dirigia, no entanto, às próprias elites exercentes do poder. Na sua mensagem de escritor, repetidamente se lê o apelo aos homens de qualquer ''prestígio'', aqueles que tinham "prestígio" de alguma maneira. Ele se endereçava às elites no poder.


Não lançou mensagem às massas populares. É que também isso fazia parte da sua formação e condizia com as soluções propostas. E não estava de todo errado, quase profetizou. Na verdade, as elites do poder pouco depois vieram a interferir neste País, um tanto na direção que Alberto Torres vinha propondo. Refiro-me ao ciclo de 1930 em diante. É certo que os tenentes que em 1930 davam "voz de prisão" a general só formalmente não eram a elite. Da elite formal seria o general. Mas as "classes armadas" integram as elites do poder. É certo ainda que as indústrias urbanas, então apenas nascentes, e que depois vieram a fortalecer a tomada final do poder às oligarquias rurais, eram apenas surgentes então e sujeitadas ainda às lideranças econômicas rurais, com seu binômio produção de café-exportação de café, ou seja, ruralismo e comércio. Indústria, de lado; capital financeiro brasileiro, de lado. Essas elites urbanas do poder, então débeis, no entanto, eram os destinatários da mensagem de Alberto Torres, para que fortalecessem o Poder central e enfrentassem com objetividade as grandes questões nacionais.


Alberto Torres era um reflexo no Brasil do pensamento político da época que então lavrava no Ocidente, nas cátedras, nos comícios, nas greves, para criticar e pôr fim ao Estado liberal. Este havia surgido dos escombros da Bastilha e iria agonizar nas trincheiras da I e da II Guerra Mundial.

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