A ilusão democrática e a verdade monárquica
- Ação Orleanista
- 4 de dez. de 2024
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Atualizado: 26 de abr.
Escrito por Rodrigo Nunes Rocha Silva, membro da Regional Sudeste-MG

É recorrente ouvir de cientistas políticos e de estudiosos do Direito a afirmação de que a democracia é a vontade do povo, e que por meio dela, associada à uma constituição escrita que preveja direitos dos cidadãos, as sociedades encontrariam plena liberdade e desenvolvimento socioeconômico. Adstrito a isso, afirmam que as velhas monarquias eram absolutistas e baseadas em privilégios sustentados pelos impostos e pela opressão do povo. Proponho que reflitamos sobre isso que nos é ensinado e martelado constantemente em nossas cabeças.
Pois bem, o conceito de democracia é governo do povo (demos= povo; kratia= governo). Contudo, Platão e Aristóteles, sábios filósofos da Grécia Antiga não se referiam a ela como boa forma de governo, mas sim à politia ou politéia, cuja tradução imediata para o latim é república. Eis, portanto, o nome da famosa obra de Platão. Esta forma de governo surgiu em Atenas quando os legisladores Clístenes e Sólon adotaram leis que descentralizaram o poder da pólis em vários distritos e deram autoridade legislativa e administrativa aos membros desses distritos reunidos em assembleia. Portanto, a sua base como boa forma de governo é a descentralização e a representação direta ou o mais próxima do cidadão comum. Vale lembrar que a densidade populacional à época era bem menor que a atual, e ainda sim, fez-se necessário descentralizar o poder de uma Cidade-Estado para extirpar os ciclos de tiranos e oligarcas em seu governo.
Contrariamente, as democracias contemporâneas, filhas legítimas das revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX, não possuem nada em comum com a antiquíssima democracia ateniense. Vejamos. Seus governos são altamente centralizados, em que a relação entre representantes e representados é bem distante. As decisões mais importantes e influentes na vida do cidadão são tomadas por governos centrais, e mesmo em Estados Federados, como é o caso do Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Argentina, por exemplo, o poder do parlamento e do governo federal é muito maior que os parlamentos locais. Ano após ano, o número de autarquias, secretarias, ministérios, departamentos e toda a burocracia e regulamentação a nível nacional sempre aumenta em detrimento da local. Como se não fosse o bastante, esse distanciamento entre os agentes políticos e as demandas populares fica cada vez maior ao analisarmos o sistema de representação.
Quem tem voz na democracia-liberal são os partidos políticos e seus acordos de interesses particulares. Eles são quem escolhem os candidatos a serem lançados, eles que fazem propaganda de massa nos canais de mídia e são eles que recebem bons e polpudos “agrados” dos governos e empresas para fazê-lo. Em contrapartida, o povo, quando elege seus representantes, não os vinculam às suas demandas, isto é, apenas comparecem às urnas e entregam uma carta branca para que os eleitos possam fazer o que quiserem. Os eleitos não se tornam procuradores das classes e associações populares, são apenas recebedores de um sinal verde para legislar e governar segundo suas vontades e interesses privados. Nos dizeres do saudoso poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade:
“Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder.”
Dessa forma, evidencia-se a falsa representação da soberania social no sistema democrático-liberal, em que cada vez mais o Estado engana o homem comum fazendo-o acreditar que seus clamores serão atendidos pelo mero fato de que este compareça, de tempos em tempos, às urnas. Assim, restou-se evidente hipertrofia da soberania política e a destruição da soberania social. Por isso, cresce cada vez mais a burocracia, os impostos, as regulamentações e os conluios e favorecimentos a empresas estrangeiras e a organismos internacionais em detrimento do trabalho, da economia e das instituições locais e costumeiras. É a encarnação atual mais fidedigna do sistema de pão e circo, realidade da Roma decadente, em que oligarquias políticas e econômicas entupiam as massas com festas, prostituição e comida barata para que acreditassem no falso progresso levado a cabo por seus tiranos. O Estado Moderno e seu controle social por meio da burocracia, da força e da mídia, supera em muito a triste realidade da decadência de fins do Império Romano.
Diferentemente do status quo político hodierno, as monarquias tradicionais da Europa, em especial as hispânicas, nas quais se inclui Portugal, eram profundamente descentralizadas. Para entendê-lo, deve-se compreender que o absolutismo a que se referem os historiadores é um conceito aplicado quase exclusivamente na França pós-Luís XIV. Vale dizer, o fenômeno de centralização política e de eliminação da representação das classes sociais fora promovido inicialmente pela Corte de Luís XIV, em consonância com as doutrinas políticas renascentistas de Jean Bodin, Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel. Ou seja, o fenômeno de poder absoluto era uma realidade quase que exclusiva da França, uma vez que nas demais monarquias, os reis se submetiam ao seu direito costumeiro, seja no Parlamento da Inglaterra, seja na Dieta do Sacro Império Romano-Germânico, seja nas Cortes Gerais de Espanha e Portugal.
Em contrapartida ao absolutismo, tomemos os exemplos das monarquias hispânicas, que eram organizadas pelas chamadas Leis Fundamentais do Reino, leis aprovadas pelas Cortes Gerais que reuniam os representantes dos comuns, da nobreza e do clero. Por sua vez, esses representantes tinham mandato imperativo, isto é, só podiam votar em assembleia no sentido que lhe fora dado em procuração. Essas leis versavam sobre sucessão e bens da Coroa, tributação, tipificação e extinção de crimes, bem como sobre a concessão de cargos e honrarias a estrangeiros. As demais leis eram de competência do Rei, as ditas Leis do Rei, se versassem sobre interesse de todo o reino, ou pelo Município, também chamado de Conselho ou Consejo, quando fosse de seu interesse exclusivo, conforme determinado pelas Cartas de Foral, privilégio dado pelos monarcas aos municípios quando estes eram estabelecidos, dispondo sobre os direitos, prerrogativas e deveres das autoridades municipais.
Em suma, os governos republicano-democráticos de hoje são indubitavelmente mais poderosos que as monarquias tradicionais. Os instrumentos e os mecanismos de controle dos atuais Estados democráticos os fazem, na prática, trair seus objetivos e finalidades pela oligarquia estatal e capitalista, amparada na bestialização das massas e na ausência de representação social autêntica. Não se trata de apoiar um governo mais à esquerda ou mais à direita, ou de promover pequenas reformas, pois o sistema político moderno é insustentável e essencialmente vicioso. Em contrapartida, a superioridade civilizacional da monarquia se revela no fato de que ela é um fenômeno empírico historicamente observado em todas as sociedades humanas dos cinco continentes, ao passo que as repúblicas democrático-liberais, somente o são após e em função de revoluções sanguinárias e golpes de Estado. É por essa razão que as monarquias tradicionais sempre possuíam um verdadeiro sistema de representação da sociedade, seja pelos costumes nela entranhados, seja pelos procuradores de suas classes e grupos. Vale dizer, pelo fato da monarquia se originar da formação natural dos povos, sua legitimação também é natural, em respeito aos líderes dos vários ramos da sociedade bem como à autonomia e liberdade dos corpos sociais intermediários (famílias, escolas, corporações de ofício, igrejas, etc.)
Por fim, faz-se mister lembrar que o fato de descobrir uma ilusão viciosa é o primeiro passo para superá-la. Posteriormente é necessário não repetir os mesmos erros que nos levaram à ela, mudando os rumos futuros. Assim sendo, ou recolocamos o trem de volta em seus trilhos certos, ou ele irá para o precipício, pois meros ajustes nesses trilhos que não nos levam ao destino seguro, não nos afastará do fim trágico.
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