John Henry Newman sobre ofensas e escândalos na Igreja

Tradução feita por Jefferson Santos

Digo que quanto mais numerosas e impressionantes são as evidências da divindade da Igreja, tanto mais conclusivamente são elas revertidas contra ela, quando os homens assumem, desde o início, que ela vem, não de cima, mas de baixo. Ela afirma ser enviada por Deus? Mas o Anticristo também afirmará isso. Os homens se curvam diante dela e "lambem o pó de seus pés"? Por outro lado, é dito também sobre a feiticeira apocalíptica que os reis da terra se embriagarão com o vinho dela. A Igreja recebe homenagens das "ilhas e dos navios do mar"? A resposta está pronta; pois é expressamente dito nas Escrituras que a mulher maligna tornará "os mercadores da terra ricos pela abundância de suas delícias". A Igreja é honrada com "ouro e incenso de Sabá, a multidão de camelos, os dromedários de Midiã e os rebanhos de Cedar"? Sua ímpia rival também estará vestida "de púrpura e escarlata, e dourada com ouro", e enriquecida com "animais, ovelhas, cavalos e carros". A Igreja exerce poder sobre a alma? A feiticeira, também, será possuída, não apenas dos bens deste mundo, mas das "almas dos homens". Foi prometido aos filhos da Igreja fazerem milagres? O Anticristo fará "milagres mentirosos". Eles exibem uma mansidão e firmeza admiráveis, uma maravilhosa auto-renúncia, uma fervorosa oração e uma caridade? A resposta é: "Isso só os torna mais perigosos. Vocês não sabem que Satanás pode se transformar em anjo de luz?" Eles, de acordo com o mandamento de nosso Senhor, são como ovelhas, indefesos e pacientes? Isso só cumpre uma profecia notável, é revertido; pois a segunda besta, que saiu da terra, "tinha dois chifres como os de um cordeiro, mas falava como um dragão". A Igreja cumpre a descrição das Escrituras de ser fraca e ainda forte, de conquistar cedendo, de não ter nada e ainda ganhar todas as coisas, e de exercer poder sem riqueza ou posição? Este fato maravilhoso, que certamente deveria surpreender os mais obstinados, é atribuído, não ao poder de Deus, mas a alguma arte ou conspiração política. Os anjos caminham em vão pela terra; para o grande prejuízo da multidão, sua vinda e partida são consideradas como trama secreta, como eles chamam, de "monges e jesuítas". Isso, com toda a certeza, não pode e não deve ser; em vez disso, acreditem em qualquer coisa do que ela vem de Deus; acreditem em uma multidão de traidores invisíveis vagando e disseminando doutrinas contrárias às suas próprias, acreditem que somos mentirosos e enganadores, homens de sangue, ministros do inferno, em vez de voltarem suas mentes, como forma de resolver o problema, para a possibilidade de sermos o que dizemos ser, os filhos e servos da verdadeira Igreja. Nunca houve artifício mais bem-sucedido do que este, que o autor do mal concebeu contra o seu Criador, que a obra de Deus não é de Deus, mas dele. Ele espalhou isso pelo mundo, como ladrões na multidão escapam dando o alarme; e os homens, em sua simplicidade, fogem de Cristo como se Ele fosse ele, e correm para os braços dele como se Ele fosse Cristo.

E se Satanás pode se aproveitar tão bem até dos dons e glórias da Igreja, não é surpreendente que ele também seja habilidoso em sua exibição e uso dessas ofensas e escândalos que são obra dele nela agora ou em tempos passados. Meus irmãos, ela tem escândalos, ela tem uma reprovação, ela tem uma vergonha: nenhum católico negará isso. Ela sempre teve a reprovação e a vergonha de ser mãe de filhos indignos dela. Ela tem filhos bons; ela tem muitos mais maus. Tal é a vontade de Deus, como declarado desde o início. Ele poderia ter formado uma Igreja pura; mas Ele expressamente previu que o joio, semeado pelo inimigo, permaneceria com o trigo, até a colheita no final do mundo. Ele declarou que Sua Igreja seria como uma rede de pescador, reunindo de todos os tipos, e só seria examinada à noite. Além disso, Ele declarou que os maus e imperfeitos superariam em muito os bons. "Muitos são chamados", Ele disse, "mas poucos são escolhidos"; e Seu Apóstolo fala de "um remanescente salvo de acordo com a eleição da graça". Portanto, sempre há uma abundância de materiais nas vidas e nas histórias dos católicos, prontos para o uso daqueles oponentes que, partindo da noção de que a Santa Igreja é obra do diabo, desejam ter alguma confirmação de sua ideia principal. Sua própria prerrogativa dá uma oportunidade especial para isso; quero dizer, que ela é a Igreja de todas as terras e de todos os tempos. Se havia um Judas entre os Apóstolos e um Nicolau entre os diáconos, por que devemos nos surpreender que no curso de dezoito séculos, haja flagrantes exemplos de crueldade, infidelidade, hipocrisia ou devassidão, e não apenas no povo católico, mas em lugares elevados, em palácios reais, nas casas dos bispos, e até mesmo na sede de São Pedro? Por que precisaria nos surpreender se, em épocas bárbaras ou em épocas de luxo, houve bispos, abades ou sacerdotes que se esqueceram de si mesmos e de seu Deus, e serviram ao mundo ou à carne, e pereceram nesse serviço maligno? Que triunfo é esse, embora em uma longa linha de entre duzentos e trezentos papas, entre mártires, confessores, doutores, sábios governantes e pais amorosos de seu povo, um, dois ou três sejam encontrados que cumpram a descrição do servo perverso do Senhor, que começou "a ferir os servos e servas, e a comer e beber e se embriagar"? O que resultará disso, embora concedamos que neste momento ou naquele, aqui ou ali, erros de política, medidas mal aconselhadas, timidez, vacilação na ação, máximas seculares, inumanidade ou estreiteza de mente pareceram influenciar a ação da Igreja ou sua atitude em relação a seus filhos? Posso apenas dizer que, considerando o homem como ele é, seria um milagre se tais ofensas estivessem completamente ausentes de sua história. Considere o que é ser deixado a si mesmo e à sua consciência, sem o julgamento dos outros sobre o que fazemos, o que às vezes acontece com todos os homens; considere o que é ter oportunidades fáceis de pecar; e então atire a primeira pedra nos eclesiásticos que abusaram de sua liberdade de controle ou independência de crítica. Meus irmãos, com tais considerações diante de mim, não me surpreendo que esses escândalos aconteçam; que, é claro, são maiores na medida em que o campo em que são encontrados é maior e mais amplo, e mais chocantes na medida em que a profissão de santidade, sob a qual se manifestam, é mais proeminente. Qual corpo religioso pode se comparar conosco em duração ou extensão? Há crimes suficientes para serem encontrados nos membros de todas as denominações: se há passagens em nossa história, semelhantes às quais não ocorrem nos anais do metodismo ou do congregacionalismo, ou nas outras religiões do dia, lembre-se de que não houve pontífices anabatistas, nem reis metodistas, nem mosteiros congregacionais, nem populações quacres. Deixe as doutrinas de Irving ou Swedenborg se espalharem, como nunca podem, pelo mundo, e veremos se, em meio à riqueza, poder e posição que adviriam para seus detentores, eles suportariam suas faculdades com mais humildade do que os católicos têm feito.

Em inglês: Sermon 9. Christ upon the Waters—Part 2

Em Português: Sermões Pregados em Diversas Ocasiões