Da Monarquia do Reino de Deus - A eterna felicidade dos Anjos, de São Roberto Belarmino - Parte II
- Jefferson Santos
- 22 de jul. de 2023
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Tradução feita por Jefferson Santos

Capítulo III. A FORMA MONÁRQUICA DO REINO DE DEUS.
A terceira razão pela qual é chamado de "Reino" é porque ali só se encontra uma forma perfeita de governo. Existe uma diferença entre um reino e uma república: no primeiro, o poder supremo é possuído por uma única pessoa; no segundo, ele é dividido entre muitos. Porém, nos reinos deste mundo, o poder supremo, no verdadeiro e próprio sentido da palavra, não pode existir. Pois, embora um rei possa ordenar algo sem o conselho ou consentimento de outros, isso não pode ser realizado sem a aprovação de seus súditos.
Muitas vezes, ele nem sequer pode dar uma ordem, ou não se atreverá a fazê-lo, se todos os seus súditos estiverem contra ele. Quantos grandes reis e imperadores já foram abandonados por seus exércitos ou mortos! A história está repleta de exemplos assim. Portanto, o poder supremo é inútil para os reis deste mundo, pois eles nunca podem executar qualquer coisa, a menos que seus súditos aprovem. Mas o poder de Deus, que é verdadeiramente e essencialmente Rei dos reis, não depende de ninguém, mas de Sua própria vontade. E, sendo onipotente, Ele pode fazer todas as coisas; e Ele não precisa de soldados, armas ou qualquer ajuda externa.
Quando Ele se utiliza da assistência de anjos, homens ou até mesmo coisas inanimadas, Ele o faz porque quer, não porque precise delas. Pois Aquele que sem nenhuma assistência criou o céu e a terra, e tudo o que há neles, com Sua única palavra, e que os preserva por Sua vontade, também pode governá-los apenas com Seu poder.
Mas Deus reina no sentido mais verdadeiro da palavra, não apenas porque possui o poder supremo, mas também porque Ele sozinho sabe como governar. Ele não precisa de nenhum conselho ou ministros de Estado. "Pois quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro?" diz São Paulo, e antes dele o profeta Isaías: "Quem determinou o Espírito do Senhor, e que conselheiro lhe deu lições?" (cap. 40. 13, 14).
Portanto, uma monarquia, que é a melhor forma de governo, só pode ser encontrada em Deus, em Sua verdadeira e perfeita natureza. Ele não é apenas "terrível sobre todos os reinos da terra", como dizem os Salmos, mas Ele também é "grande e muito digno de louvor, é mais temível que todos os deuses", como é expresso em outro lugar. Os outros são falsos deuses ou melhor, demônios, como diz o profeta: "Todos os deuses das nações são demônios" (Salmo 95.). Alguns são deuses por participação, como os reis da terra e os anjos do céu, assim como Deus disse: "Sois deuses, e todos filhos do Altíssimo" (Salmo 81.).
Mas todos esses deuses estão sob o poder daquele Deus que reina nos céus; somente Ele é verdadeiramente um grande rei. Isso foi reconhecido por Nabucodonosor, rei da Babilônia, em suas palavras após ter sofrido um severo castigo por seu orgulho: "Mas depois que se passou o tempo, eu, Nabucodonosor, levantei os meus olhos ao céu, e voltou a mim a razão; (então) bem-disse o Altíssimo, louvei e glorifiquei o que vive eternamente, cujo império é um império eterno, cujo reino se estende de geração em geração. Todos os habitantes da terra são diante dele como um nada; ele faz tudo o que quer, tanto dos exércitos do céu, como dos habitantes da terra; não há quem resista à sua mão e lhe diga: Por que fizeste assim?" (Daniel, cap. 4. 31-32). Assim falou ele, nos dando a todos um exemplo de humilhar-nos sob o poderoso mão de Deus, como São Pedro nos admoesta; e de nos deleitarmos em servir o Rei dos reis, para experimentar Sua bondade, ao invés de resistir orgulhosamente à Sua vontade, para que não sejamos forçados a sentir o peso de Sua mão vingativa.
Capítulo IV. TODOS OS BEM-AVENTURADOS SÃO REIS.
A quarta razão (e uma muito poderosa) pela qual o céu é chamado de reino é porque todos os bem-aventurados no céu são reis, e todas as condições de serem tais se aplicam a eles de forma muito apropriada. Pois embora os santos no céu sirvam a Deus, como é mencionado no Apocalipse, eles também reinam; pois no mesmo livro, e no mesmo capítulo, onde se diz "os seus servos O servirão", um pouco mais abaixo é dito que "reinarão pelos séculos dos séculos." (cap. 22). E todos os bem-aventurados não apenas servirão e reinarão ao mesmo tempo; eles também serão chamados de servos e filhos. Assim fala Deus no Apocalipse: "Aquele que vencer, terá esta herança, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho." (cap. 21. 7).
Portanto, assim como eles podem ser tanto servos quanto filhos, também podem ser tanto servos quanto reis; eles são servos porque foram criados por Deus, a quem devem obediência, e de quem recebem seu ser e todas as coisas. Davi não faz exceção quando diz: "Todas as criaturas O servem." Eles também são filhos de Deus, pois nasceram de Deus pela água e pelo Espírito Santo; eles também são reis, pois receberam a dignidade do Rei dos reis, que é chamado por esse nome no Apocalipse: "Rei dos reis, e Senhor dos senhores." (cap. 19. 16).
Mas talvez se possa dizer que não é difícil ser tanto rei da terra quanto servo de Deus, pois assim fala o salmista: "E agora, ó reis, atendei; instruí-vos, vós que governais a terrServi ao Senhor com temor, e louvai-o com alegria; com temor" (Sl. 2.). Mas ser rei no reino dos céus e servo do Rei dos céus, quem pode compreender ou entender isso? E, no entanto, tal é a verdade, que a fé crê e entende. Portanto, os justos também serão reis no reino dos céus, pois participarão da dignidade real, do poder, das riquezas, etc., desse reino. Isto é o que o Espírito Santo nos ensina claramente, especialmente em três passagens das Escrituras; a primeira delas ocorre em São Mateus: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus." (cap. v.). Em outra parte: "Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (São Mateus, cap. 25.). A terceira passagem é do Apocalipse: "Aquele que vencer, fá-lo-ei sentar comigo no meu trono, assim como eu mesmo também venci e me sentei com meu Pai no seu trono." (cap. 3.).
O que pode ser mais claro do que estas palavras? O Reino dos céus é prometido, a posse dele nos será dada no último dia, teremos um lugar no trono real do Filho de Deus, e de Seu Pai, nosso Rei eterno. O que é isso senão uma participação do mesmo Reino que Deus possui desde a eternidade? São Paulo também acrescenta seu testemunho: "Se sofrermos com Ele, também com Ele reinaremos"; e São João também, no início do Apocalipse: "Eu, João, vosso irmão e companheiro no sofrimento, na realeza e na paciência em Jesus, estive na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus." (cap. 1). E São Tiago, em sua Epístola: "acaso não escolheu Deus os pobres segundo este mundo (para serem) ricos na fé e herdeiros do reino prometido (por Deus) aos que o amam?" (cap. 2. 5). Mas o Reino dos céus não é diminuído porque é dividido entre inúmeros anjos e homens. Este Reino não é como os reinos do mundo, que não podem ser bem divididos; mas se fossem distribuídos em partes, a divisão os enfraqueceria, e eventualmente seriam destruídos. Mas não é assim com o Reino acima, que é perfeitamente possuído por todos, e inteiramente por cada um, assim como o sol é visto por todos e cada um dos habitantes da terra, a quem igualmente ilumina e vivifica. Porém, este ponto será mais facilmente compreendido quando explicarmos os bens que se encontram no Reino dos céus.
Agora devemos considerar as condições ou qualidades que são exigidas dos reis, para que possamos ser convencidos de que os santos e espíritos bem-aventurados podem justamente ser chamados de Reis do Reino dos céus.
Há duas qualidades especialmente necessárias para os reis - sabedoria e justiça. Mas com a sabedoria, a Escritura une a prudência e o conselho, e todas as outras coisas que se relacionam à inteligência; com a justiça são unidas a misericórdia, a clemência e outras virtudes que adornam e aperfeiçoam a vontade. A sabedoria, portanto, é necessária para que o rei possa ter conhecimento; a justiça, para que ele possa governar seus súditos com equidade. Por isso, Salomão, no início de seu reinado, sendo advertido por Deus a pedir o que desejava, pediu sabedoria, que é a principal de todas as virtudes exigidas dos reis.
Sua petição foi aceita diante de Deus, como lemos no terceiro Livro dos Reis, e, portanto, ele obteve o que pediu. Ah, se ele também tivesse pedido por justiça: talvez então não teria caído em tantos crimes. No entanto, de maneira mais justa, fala Davi no salmo em que ora pelas bênçãos a Salomão, seu filho: "Dá, ó Deus, ao rei o teu julgamento, e a tua justiça ao filho do rei." (Salmo 72) A partir destas palavras, parece que ele previu que Salomão pediria por sabedoria, e, portanto, Davi orou para que "justiça e julgamento" lhe fossem dados, pois sem sabedoria a justiça não pode existir, embora a sabedoria, mesmo que imperfeitamente, possa existir sem justiça. O Livro da Sabedoria, escrito para a instrução dos reis, assim fala: "Amai a justiça, vós os que governais a terra." (capítulo 1) Ele começa com "justiça", porque não apenas é necessário em si mesmo para os reis, mas também porque nos prepara para receber a sabedoria. Assim, um pouco abaixo, acrescenta: "E assim na alma maligna não entrará a sabedoria, nem habitará no corpo sujeito ao pecado" Enfim, Jeremias, profetizando sobre as virtudes de Cristo, o Rei eterno, diz: "Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei surgir para Davi um Renovo justo; e ele reinará como rei e será sábio; e exercerá o juízo e a justiça na terra." (capítulo 23, versículo 5) Verdadeiramente, "sabedoria e justiça são requeridas nos reis".
Agora, todos devem reconhecer que todos os bem-aventurados no céu, embora possam ter sido simples e ignorantes na terra, agora possuem a mais profunda sabedoria e estão tão eminentemente dotados da virtude da justiça que poderiam justamente se tornar reis de qualquer reino. Pois todos os bem-aventurados contemplam a própria essência de Deus, que é a "primeira causa" de todas as coisas; e assim, desta fonte de sabedoria não criada, bebem tal sabedoria que nem Salomão nem qualquer outro mortal possuíram, exceto nosso Senhor Jesus Cristo, que, mesmo durante o tempo de Sua vida mortal, viu a Deus, pois nele "estavam escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento". Mas, além da sabedoria que os bem-aventurados possuem, também lhes é dada uma medida completa de justiça, de modo que nunca possam pecar, nem mesmo desejar pecar; assim fala Santo Agostinho: "A primeira liberdade da Vontade foi ser capaz de não cometer pecado, mas a última será muito maior, não ser capaz de pecar." Mas aquele que não pode cometer pecado, não pode ser injusto; e uma vez que a caridade perfeita é a mesma que a justiça perfeita, como afirma Santo Agostinho (Lib. de Naturâ et Gratiâ, (cap. ult.)), ele que não ama a Deus com o amor maior e mais perfeito não pode possuir a justiça perfeita. Agora, aqueles que contemplam Deus, esse Ser infinito e puro, certamente não podem se afastar Dele, mas devem sempre amá-Lo com o mais ardente amor; e, portanto, segue-se que todos os santos no céu são perfeitamente sábios, perfeitamente justos e, portanto, os mais adequados a reinar.
Levante-se, então, minha alma, e, na medida do possível, considere que felicidade será reinar com Deus! E, assim - para omitir outras considerações - penetre o próprio céu nas asas da contemplação e contemple o glorioso trono do qual nosso Salvador fala: "Aquele que vencer, fá-lo-ei sentar comigo no meu trono, assim como eu mesmo também venci e me sentei com meu Pai no seu trono." (Apocalipse, capítulo 3, versículo 21) Quão grande será a glória para essa alma justa ser colocada com uma infinita multidão de anjos, no próprio trono de Cristo e de Deus! E por Sua justa sentença, ser proclamada vencedora sobre o mundo, sobre seus governantes e todos os poderes invisíveis!
E como essa alma exultará de alegria quando, liberta de todo trabalho e perigo, se ver gloriosamente triunfante sobre todos os seus inimigos! O que mais ela desejará quando se tornar participante de todos os dons de seu Senhor, até mesmo de uma participação de Seu trono e Reino? Oh, como eles lutam com zelo na terra e com que paciência suportam todas as coisas por amor a Cristo, aqueles que, com uma fé viva e uma esperança segura, contemplam tais honras divinas no céu!
Excelente texto. Muito bom!